Os “Dois Livros” do Apocalipse do cristianismo histórico
Imagem gerada por IA (acervo de Lexica) |
por Kenneth Samples
1º de setembro de 2013
O que vem à mente com a palavra "revelação"? Provavelmente, a ideia de que é o último livro da Bíblia {O livro do Apocalipse se chama Revelation nas Bíblias em inglês}; mas na teologia cristã histórica, revelação se refere à autorrevelação pessoal de Deus para suas criaturas. Deus tomou a iniciativa de se revelar de duas maneiras: por meio da revelação geral (o conhecimento de Deus que vem por meio da ordem criada) e revelação especial (o conhecimento de Deus que vem por meio da história redentora). Os teólogos cristãos, às vezes, chamam essa visão dupla da revelação de "teoria dos dois livros". Deus é o autor tanto do livro figurativo da natureza (o mundo de Deus) quanto do livro literal das Escrituras (a Palavra escrita de Deus).
Essas duas formas de revelação se reforçam e se complementam mutuamente. A cosmovisão bíblica considera toda a verdade como a verdade de Deus. Interpretações humanas das duas fontes podem entrar em conflito, mas não quando devidamente compreendidas e corretamente aplicadas. A verdade de Deus, por sua própria natureza, sempre é coerente.
As Escrituras instruem os leitores a levar a mensagem da revelação geral a sério (Salmo 19; Romanos 1). E a ordem criada ilustra a necessidade da especificidade e completude da mensagem da revelação especial (na Bíblia). Em outras palavras, a revelação geral aponta para a revelação especial e fornece um contexto racional para aceitá-la. Em última análise, a revelação divina é uma unidade. É apropriado distinguir entre suas duas formas, mas elas nunca devem ser separadas.
Nem todas as verdades na revelação geral (incluindo matemática, lógica e ciência) são explicitadas na revelação especial. No entanto, em todos os assuntos abordados pela Bíblia (a essência da revelação especial tendo sido incorporada nas Escrituras), esta revelação verbal deve ser considerada final e suprema. Esta prioridade reveladora é concedida por causa da especificidade da Bíblia e sua natureza proposicional e autoautenticadora única.
Pode-se, portanto, afirmar a Escritura como a autoridade suprema na vida da igreja e do crente individual (sola Scriptura), mas também manter uma visão sólida da revelação geral e da ciência em geral.
A Natureza Como Um Livro
A metáfora de se referir à natureza como um livro revelador está profundamente enraizada na história da igreja cristã. Referências ao “Livro da Natureza” são encontradas até mesmo nos escritos patrísticos. Por exemplo, Agostinho de Hipona (354–430 d.C.), fez a seguinte declaração em sua obra clássica, as Confissões: “Em tua grande sabedoria, tu, que és nosso Deus, fala-nos dessas coisas em teu Livro, o firmamento feito por ti.” [1]
Os reformadores protestantes continuaram a prática cristã de falar da natureza como um livro revelador. A tradição teológica reformada (ou calvinista) em particular articulou a perspectiva reveladora dos “dois livros”. A expressão mais completa é encontrada na Confissão Belga, Artigo 2, escrita em 1561:
Nós o conhecemos [Deus] por dois meios: primeiro, pela criação, preservação e governo do universo, uma vez que esse universo está diante de nossos olhos como um belo livro no qual todas as criaturas, grandes e pequenas, são como letras para nos fazer ponderar as coisas invisíveis de Deus (...)
Em segundo lugar, ele se faz conhecido a nós mais abertamente por sua santa e divina Palavra, tanto quanto precisamos nesta vida, para sua glória e para a salvação dos seus. [2]
Mais tarde, durante a revolução científica do século XVII, os antepassados cristãos da ciência prontamente referenciaram os “dois livros” da ideia da revelação. Por exemplo, Francis Bacon (1561–1626) falou famosamente do “livro das obras de Deus” e do “livro da palavra de Deus” em sua obra Advancement of Learning em 1605. [3]
Livros em Conflito?
Avanços científicos introduziram questões desafiadoras sobre como os cristãos podem entender os dois livros quando eles parecem estar em conflito. O consenso teológico cristão histórico afirma que, como os “dois livros” vêm do Deus da verdade (que não pode mentir), essas duas fontes de revelação concordarão em última instância. Contudo, é necessário distinguir entre a revelação, por um lado, e a interpretação humana dessa revelação, por outro.
A ciência (e outras disciplinas acadêmicas) representa a interpretação do livro da natureza. A teologia representa a interpretação da revelação bíblica. A interpretação humana desses livros pode, de fato, entrar em conflito. Nesse caso, o cientista ou acadêmico pode ter que reconsiderar os dados extraídos do livro da natureza. Ou o teólogo ou leitor da Bíblia deve fazer o mesmo com as Escrituras. Dados das Escrituras ou do reino físico podem significar algo diferente do que um intérprete pensa.
A ciência não pode corrigir as Escrituras, mas pode ajudar a alertar o intérprete sobre uma interpretação falha do texto bíblico.
Uma percepção refrescante da perspectiva histórica cristã dos “dois livros” é que Deus como Criador e Redentor é o autor de toda a verdade que os seres humanos encontram na vida e no mundo. Armados com tal confiança, os humanos podem estudar ambas as revelações exaustivamente para a glória de Deus.
Notas de Fim
- St. Augustine, Confessions (New York: Barnes & Noble, 1992), Book XIII, Seção 18, 326. {A citação usada aqui foi a tradução da que é citada no artigo original, em inglês. Não foi consultada a obra de Agostinho em português.}
- Contido nos Ecumenical Creeds and Reformed Confessions (Grand Rapids, MI:CRC Publications, 1988), 79.
- Para uma breve discussão histórica da ideia dos “dois livros”, veja Alister E. McGrath, Science & Religion, reprint (Oxford, UK: Blackwell, 2000), 139–42.
- Recurso: Veja o capítulo 7 em A World of Difference: Putting Christian Truth-Claims to the Worldview Test (Grand Rapids, MI: Baker, 2007), e o capítulo 3 em Without a Doubt: Answering the 20 Toughest Faith Questions (Grand Rapids, MI: Baker, 2007).
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Traduzido de Historic Christianity’s “Two Books” of Revelation (RTB)
Etiquetas:
revelação/revelações de Deus aos homens - teologia cristã
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